(*) Papo de Pracinha
“Vovó, você conhece uma Samaúma?”, assim que começou a conversa da criança com sua avó, naquele dia. Ele, com menos de 5 anos acha impossível que a sua avó, com mais de sessenta, não saiba que a Samaúma é a maior árvore da Amazônia, que ela gosta de viver perto de onde tem água e, o mais importante, que essa árvore “fica presa na terra, mas chega no céu. Sabia, vovó, cada árvore tem uma história!”
Essa conversa sensível e gostosa nos fez pensar que a maioria das crianças sequer é convidada por suas famílias e pelas escolas “a olhar para ver” quantas árvores diferentes existem no seu entorno, quantos tipos de árvores fazem parte de seu caminho e que, de verdade, elas têm a sua história particular como espécie: de onde vieram, como se reproduzem, seus nomes em diferentes lugares do mundo, se dão flores, frutas ou só folhagens, além de sua relação com as condições de cada lugar e com a cultura onde vive.
Não queremos que as crianças desenvolvam precocidades, que sejam geniais e nem botânicos com 4, nem com 10 anos. Defendemos, apenas que as crianças sejam estimuladas a praticar um apuro de seus olhares, um apuro de senso estético ao invés de serem estimulados a desenhar e a pensar que existe apenas aquela mesma árvore com maçãs vermelhas, coloridas com lápis de cor.
Quando as crianças são convidadas a “olhar para a natureza”, não só para as árvores, elas são capazes de expressar emoções e sentimentos, elas adjetivam as árvores do jeito que as sentem e vêem. Estar em contato com a natureza acende o imaginário infantil, conecta os corpos com imagens vividas e não vividas. Estrutura os seres humanos e os conecta às suas ancestralidades.
Como uma forma de estimular esse apuro do olhar, decidimos organizar e expor fotografias tiradas por crianças, e por adultos com crianças, sobre a natureza nas cidades. As crianças nomeiam espontaneamente as árvores que têm a oportunidade de conhecer, de forma muito semelhante com a que o poeta e escritor italiano Italo Calvino fez com as Cidades, na Itália. As crianças falam de árvores “nuas, quase sem folhas; cascudas, quando acham o caule muito áspero; árvores magras e altas, árvores gordas, árvores de folhas pontudas e de folhas redondas”, e por aí vai. Há as árvores que dão boa sombra pra brincar embaixo, as que servem como apoio para fazer pique-esconde e também, árvores que poderiam abrigar casas suspensas para elas brincarem. Imaginação e sensibilidade vão se costurando às funções que atribuem a cada tipo de árvore e, com isso, reforçam que a natureza têm histórias, a natureza dá suporte a cenas e situações que fazem história, são parte da história e da cultura de vários povos.
Sobre a Samaúma, nós do Papo de Pracinha tivemos que pesquisar. Aprendemos que a civilização Maia chamava essa árvore de “árvore da vida”, por unir todas as instâncias do universo. “Suas raízes atingiriam o mundo inferior, dos mortos. O tronco repousava no mundo do meio, na terra. E os galhos sustentavam o mundo superior, o céu, onde viviam os deuses”. (disponível no Youtube, UM PÉ DE QUÊ, 2013).
A Samaúma já foi chamada como “a mãe da floresta, a mãe dos rios, a escada para o céu” e funciona até hoje como referência para os barqueiros do Rio Amazonas .
Por que isso tudo importa para nós? Bem, as crianças têm ouvido as notícias dos incêndios na Amazônia e, também, acabamos de celebrar o Dia da Árvore de modo frágil, inconsistente e pouco significativo. As árvores nativas, ou não, contam histórias da nossa civilização.
Nós adultos , pais, mães, professores podemos e devemos enriquecer o imaginário e a vida de nossas crianças de modo profundo e sensível para nos reconectarmos todos, com a natureza de que somos parte.
(*) Angela Borba e Maria Inês Delorme
Foto: Portal para Amazônia
0 comentário em “A árvore e o Dia da Árvore”